'Hopi Hari' piracicabano? Entregas do Mirante, aquário e elevador turístico para a iniciativa privada não tem garantia de acesso livre sem pagamento de ingressos; projeto de lei da prefeitura ainda possibilita concessionária desistir e até quarteirizar o contrato

Não há garantias de acesso gratuito à população ao Parque do Mirante, aquário municipal e elevador turístico no projeto de lei de autoria do Executivo para concessão destes espaços públicos à exploração comercial via iniciativa privada. Esta e outras ‘lebres’ preocupantes foram levantadas durante a audiência sobre o assunto realizada na última sexta, dia 16, na Câmara de Vereadores. Outra brecha nesta iniciativa de fim de gestão do prefeito Luciano Almeida (PP) é a possibilidade de a prefeitura autorizar a empresa vencedora a “transferir, ceder, locar ou sublocar”, implicando em uma desistência, abandono ou venda da concessão a quarteirizações – o contrato será de longo prazo, de 25 anos e prorrogáveis por mais dez anos. Caso este movimento aconteça, a concessão pode virar uma bagunça ou uma geringonça administrativa.

Sobre a possibilidade de cobrança de entrada, o Procurador Geral do Município, Guilherme Mônaco de Mello, alegou, durante a audiência, não haver dispositivo legal no projeto de lei para que a concessionária taxe os visitantes – mas também vale o contrário, o regramento da concessão não indica a obrigatoriedade da ausência da cobrança. Esta questão só é abordada no texto da justificativa do prefeito Luciano enviado à Câmara – o que não tem força de lei.

“Ainda com o objetivo de dirimir eventuais dúvidas quanto ao termo concessão, destaca-se que os estudos realizados pelo Poder Executivo comprovaram viabilidade econômica para o projeto sem que haja cobrança de ingressos para a população usufruir do Parque do Mirante do Rio Piracicaba. Portanto, além da gestão municipal oferecer um Parque com mais investimentos, mais segurança e atrativos, ainda continuará oferecendo acesso amplo e gratuito, sem gerar qualquer distanciamento do cidadão com os espaços públicos”, diz uma única vez o trecho da justificativa do prefeito, sem efeitos legais.

A vereadora Silvia Morales (PV/Mandato Coletivo), presidenta da audiência pública, disse à reportagem ser suas maiores preocupações o acesso gratuito principalmente em relação ao Mirante, bem como a manutenção do projeto arquitetônico e o aspecto ambiental, com um grande grupo de árvores em faixa de APP (Área de Preservação Permanente) do Rio Piracicaba. Ela deve articular emendas ou substitutivos para corrigir falhas no projeto do prefeito como a isenção de cobrança de ingresso e impossibilidade de desistência ou quarteirização à vencedora da concorrência.

Em tempo: cabe à Câmara melhorar o projeto do Executivo – já que o próprio não contribui – e colocar na balança a incapacidade da administração pública versus uma concessão cabível para os espaços afastando o conceito de parque de diversões – Hopi Hari para os mais novos e Playcenter aos mais da antiga – e se atentando à finalidade específica de cada estrutura, da abordagem sobre educação ambiental ao cuidado com a coisa pública. São locais preciosos para a cidade, levantados com investimentos públicos de anos a fio a partir da verba do bolso do cidadão para ser entregue de mãos beijadas à exploração comercial. Outro ponto: a prefeitura tem baixa capacidade de fiscalização de contratos, se houver abandono da concessionária ou se as empresas nesses equipamentos se multiplicarem ao custo de terceirizações e quarteirizações, não tem 'olho do dono para engordar o boi', em resumo, a administração municipal pode não dar conta de tal geringonça ou uma quebra de contrato com efeitos desconhecidos.

Mirante, elevador e aquário devem ser entregues à iniciativa privada em projeto de Luciano Almeida (PP) 
(fotos/créditos: Prefeitura de Piracicaba)

OUTRAS 'LEBRES'

O projeto do prefeito corre em tramitação de urgência na Câmara, o que reduz prazos e restringe o número de comissões legislativas a apreciarem e emitirem parecer ao regramento. E, ao que tudo indica, o Legislativo aprovará a concessão porque já tem as aprovações da CLJR (Comissão de Legislação, Justiça e Redação), presidida por Acácio Godoy (AVA), e de Obras, Serviços Públicos e Atividades Privadas, de Valdir ‘Paraná’ (PSD).

Na sessão camarária de quinta, dia 15, Silvia Morales conseguiu aprovação em plenário para que o projeto de concessão passe pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, presidida pela parlamentar – caso Silvia não tivesse feito tal articulação, a concessão de um espaço estritamente ligado à natureza, não teria apreciação do colegiado afim, uma lacuna causada pela pedido de tramitação prioritária. A Comissão de Meio Ambiente deve emitir seu posicionamento até sexta, dia 23.

A vereadora também teve aprovado ontem, dia 19, requerimento para questionar a prefeitura sobre como se dará o acesso ao público em cada um dos três equipamentos objetos da pretendida concessão; quando será aberto o edital de licitação; valores recentes investidos e pagamento de funcionários para fazer funcionar os espaços; e cópia do estudo para escolha da empresa sob o nome técnico Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI). Outro ponto colocado por Silvia são as informações díspares de investimentos, no PMI apresentado na Câmara sexta passada foi divulgada a soma de R$ 6,5 milhões, mas o projeto de lei de Luciano fala em R$ 11 milhões – a explicação aqui é a existências de várias modelagens.

Se seis ou onze milhões, é fato que a gestão Luciano tem dinheiro de sobra. A prefeitura deixou de investir em 2023 quase R$ 500 milhões em Piracicaba e a primeira colocada com excedente de caixa foi a área de Urbanismo, com sobra de R$ 176,01 milhões. O secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Trabalho e Turismo (Semdettur), Euclides Baraldi Libardi chegou a afirmar, durante sua exposição na audiência, que a prefeitura não tem “expertise” (conhecimento) e nem mão de obra para cuidar do Mirante – um tempo depois, o secretário corrigiu sua própria fala informando ter colocado o termo expertise quando quis dizer agilidade.

Por fim, o fato é que a administração municipal tem verba em caixa, mas, conforme foi falado na audiência, falta planejamento em geral e transparência do projeto em questão. Também é fato que o Parque do Mirante está abandonado há décadas e uma concessão pública criteriosa poderia fazer boas melhorias em um dos grandes cartões postais de Piracicaba.

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