Prova de fogo: Codepac vota nesta sexta isenção de IPTU da Boyes e duplicação da avenida da Rua do Porto

O principal cartão postal turístico e polo econômico de Piracicaba (SP), o Complexo Beira-Rio, está sob ameaça com a degradação dos prédios da antiga  fábrica têxtil Boyes – sob risco de incêndio em grandes proporções – e com a nova tentativa da prefeitura na duplicação da av. Alidor Pecorari, na Rua do Porto. Tais alertas vieram à tona porque o Codepac (Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural) delibera nesta sexta-feira, dia 9, sobre a isenção do IPTU para o projeto imobiliário Boulevard Boyes e liberação ao novo projeto do Executivo municipal a fim de abrir uma segunda via para o trânsito em APP (Área de Proteção Permanente) e ARI (Área de Risco de Alagamento). 

Uma inspeção no último dia 2, realizada in loco na Boyes por uma comissão de conselheiros do Patrimônio Cultural detectou uma série de focos de fogo, inclusive ensejando o uso deste recurso para redução do mato alto na área. Sobre a Alidor e uma segunda proposta da prefeitura para a obra, nada mudou quanto ao projeto inicial, cujo para o qual já existe parecer contrário do Comdema (Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente). 

Consultado, o presidente do Comdema, Marcos Komogawa, avaliou a situação, em caso de aprovação no Codepac, como “quebras da responsabilidade administrativa, dos princípios constitucionais e do Código de Ética da Administração Pública do Estado de São Paulo”. A redação questionou a prefeitura sobre o projeto e sua transparência pública, mas não houve qualquer esclarecimento. Os empresários do Boulevard também não se manifestaram até o fechamento desta edição. Em tempo: diante do cenário, o Codepac terá uma prova de fogo quanto a sua imparcialidade perante à prefeitura e à pressão do alto empresariado piracicabano.

CASO BOYES

A fábrica fundada por Luiz de Queiroz há mais de 150 anos foi arrematada em leilão em 31 de maio de 2007 e tem atualmente três proprietários piracicabanos. Desde 2013, o grupo de empresários acumula dívidas tributárias em IPTU (Imposto Territorial e Predial Urbano) com soma total de R$ 5,78 milhões até junho de 2024. E pela primeira vez, há um pedido dos proprietários para isenção do imposto deste ano em cerca de R$ 600 mil, a ser autorizado ou não pelo Codepac nesta sexta, dia 9. 

Considerando o levantamento com fotos áreas pela ferramenta Google Earth entre 2005 e 2024 realizado pelo Movimento Salve a Boyes e a visita técnica do Codepac na última sexta, dia 2, é flagrante a degradação do patrimônio municipal. O historiador Pablo Carajol, membro do Conselho de Patrimônio de Piracicaba, acompanhou a vistoria sobre o estado de conservação do conjunto fabril. Ele resume o cenário destacando o a falta de conservação – o que não daria prerrogativa legal para isenção fiscal – incluindo quedas de telhados, problemas com guarnições (janelas e portas depreciadas ou furadas) e focos de incêndio de lixo e mato.

Conforme Lei Complementar nº 171, de 13 de abril de 2005, o desconto no IPTU aos proprietários de edifícios tombados da Boyes está atrelada ao estado de conservação: a edificação totalmente restaurada tem redução de 100% do imposto; para as que necessitam de pequenos reparos (esquadrias, ornamentos e reboco) a faixa é de 80%; entre as com grandes alterações (marquises, alteração de cobertura, modificação dos vãos), 40%; e 20% de desconto para as que não apresentarem a pintura ou revestimento de fachada preservados e comunicação visual em desacordo com a visibilidade do imóvel. 

A mesma legislação determina, no segundo parágrafo do Artigo 18, a impossibilidade da concessão de isenção do imposto àqueles “com grandes alterações e que ainda apresentam a pintura deteriorada ou comunicação visual inadequada”.

Complexo fabril de 150 anos está visivelmente degradado (Foto: Movimento Salve a Boyes)


COMUNICADO BOULEVARD BOYES

"A Lei Complementar nº 171/2005 foi criada para promover o desenvolvimento econômico por meio de incentivos fiscais a empresas que se comprometam a investir em suas operações. Esse é principal objetivo do projeto  Boulevard Boyes: ressignificar o patrimônio Boyes por meio de intervenções que respeitem o patrimônio histórico com modernidade e sustentabilidade. Vale ressaltar que o projeto cumpre os requisitos estabelecidos pela Lei, e que a  concessão da isenção tributária está alinhada aos objetivos legislativos de promover o desenvolvimento e a ressignificação do espaço. Devido ao período de estiagem que afeta Piracicaba e as cidades vizinhas, quaisquer  sinais de fogo são imediatamente controlados pela equipe de manutenção, garantindo que não ocorram incêndios de  maior proporção. Os responsáveis pelo projeto Boulevard Boyes reforçam que embora o cenário possa parecer  resultado de falta de conservação, é importante ressaltar que os sinais de desgaste, como quedas de telhados,  problemas com guarnições (janelas e portas depreciadas ou furadas), e até focos de incêndio de lixo e mato, são  frequentemente resultados de processos naturais de degradação. Materiais como madeira, ferro e até mesmo  concreto estão sujeitos ao desgaste pelo tempo, exposição às intempéries, variações de temperatura e umidade. A corrosão, a dilatação e a retração dos materiais, além da ação de agentes biológicos, como cupins e fungos, contribuem para a deterioração gradual das estruturas, independentemente da manutenção. Esse tipo de desgaste  atual é um processo inevitável e esperado ao longo do tempo, e não pode ser confundido com negligência ou falta de  conservação ativa. Dessa forma, é essencial diferenciar as causas naturais do envelhecimento das estruturas da falta  de manutenção deliberada, o que pode justificar a consideração de isenções fiscais ou outros benefícios legais como  uma medida de compensação justa para proprietários que enfrentam esses desafios. Desde que a área foi adquirida,  uma equipe permanente zela e cumpre os requisitos exigidos por lei. Para os empreendedores, o cuidado com o  complexo Boulevard Boyes é inegociável. Tudo está sendo feito em respeito à história e representatividade da Boyes para todos os piracicabanos."

CASO ALIDOR (RUA DO PORTO)

Em abril, houve a impugnação do edital para duplicação da avenida onde se concentram os tradicionais restaurantes da Rua do Porto. Do fim de 2023 até o processo parar internamente na prefeitura, o Codepac recuou nas tentativas de colocar em votação a obra em área tombada de Piracicaba. Também teve peso neste interim o parecer técnico negativo do Comdema, emitido em março, à liberação da remodelação viária com previsão de supressão de mais de 200 árvores em APPP e construção de novo estacionamento em área de alagamento do Rio Piracicaba. 

Nesta segunda tentativa da prefeitura, não há transparência pública sobre o chamado novo projeto e, segundo o conselheiro do Codepac, Pablo Carajol, a partir do acesso ao documento na Semac (Secretaria Municipal de Ação Cultural) nada mudou de forma substancial para atual tramitação no Conselho do Patrimônio. “Vai acarretar também na perda de cerca de 10 mil metros quadrados do Parque da Rua do Porto”, destaca Carajol. O passo novo nesta fase é a auto-licenciamento emitido pela Simap (Secretaria de Meio Ambiente) à Semuttran (Secretaria de Trânsito) pelo aspecto da licitação estimada R$ 8,58 milhões ser de utilidade pública.

A crítica ao projeto persiste na análise do presidente do Comdema. “O parecer do Comdema já apresenta nosso posicionamento [contra o projeto da duplicação], que se mantém inalterado. O parecer positivo da Simap deve ter considerado as legalidades do processo. No meu entendimento, estão contradizendo a Lei Municipal, e aprovar tal parecer imputa em quebra da responsabilidade administrativa, dos princípios constitucionais e do Código de Ética da Administração Pública do Estado de São Paulo”, avalia Marcos Komogawa.


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