Por que está faltando água em Piracicaba? Problema com lodo afeta Capim Fino e Luiz de Queiroz e faz da Boyes depósito irregular de rejeito do tratamento de água


Fábrica Boyes é utilizada como extensão da ETA Luiz de Queiroz
(foto/crédito: reprodução/Câmara de Vereadores)

O desabastecimento de água em Piracicaba foi o ponto central do debate na sessão camarária de quinta passada, dia 21, quando foi revelado que o antigo conjunto fabril Boyes se transformou, sem licenciamento ambiental, num depósito gigante de lodo da sua vizinha, a ETA (Estação de Tratamento de Água) Luiz de Queiroz – veja mais fotos abaixo. Analisando as últimas movimentações do Semae em seus contratos são notórios dois problemas no sistema: o lodo e as perdas na distribuição.

Para o lodo, a autarquia de saneamento fechou dois contratos neste ano. Um primeiro em junho para “elaboração de projeto executivo completo de tratamento de lodo, visando a implantação de sistema de tratamento dos resíduos, gerados nas estações de tratamento de água 1 e 2 Luiz de Queiroz” por R$ 1,17 milhão com a Proesplan Engenharia. Mas este é só um primeiro passo para sanar o problema do rejeito – anteriormente lançado irresponsavelmente no leito do Rio Piracicaba até julho, ação cessada após inspeção da Cetesb e abertura de inquérito civil do Gaema (Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente), instituição do Ministério Público (MP).

Conforme o contrato com a Proesplan, o Poder Público já deve estar com o projeto executivo em mãos desde o início de novembro para licitar e acabar com o problema na Luiz de Queiroz. Esta ETA, na região central e às margens do Piracicaba, é responsável pela produção e abastecimento de 30% do município, distribuindo água tratada para mais de 170 mil habitantes (750 litros por segundo diários), informou o presidente do Semae por meio do requerimento 4.525/2024 à vereadora Silvia Morales (PV/Mandato Coletivo). Mas, por ora, o lodo da Luiz de Queiroz e alocada na fábrica Boyes está sob os cuidados de uma segunda empresa, a Ecobulk Industria e Serviços de Proteção Ambiental. Este segundo contrato é de setembro último ao custo de R$ 793,37 mil por serviços com duração de 12 meses.

Um terceiro contrato, este com a finalidade de reduzir as perdas na rede, por meio da revisão do plano diretor temático da área, foi fechado em janeiro de 2023 por R$ 698,56 mil. Entretanto, um lapso enorme de tempo ocorreu após a escolha da empresa para ajustes de documentos e a contratação só aconteceu no dia 21 de agosto de 2024 – assim, tal revisão do plano diretor para o combate às perdas no sistema de abastecimento público de água no município tem prazo para ser entregue de 12 meses, ou seja, agosto de 2025, para então a administração pública começar a reverter o problema que vaza praticamente a metade da água tratada pelo Semae. Nesta segunda, dia 25, o site do Semae registrava à tarde 50 pontos de vazamentos, entre redes e ligações.

PRECÁRIO

A realidade flagrada em fotos e exibidas ao plenário da Câmara de Vereadores por Laércio Trevisan Jr. (PL) no fim da semana passada quanto à situação da fábrica Boyes como depósito de bags (bolsas) de grandes proporções abarrotadas de lodo impressionou e levantou outras ‘lebres’ sobre o problema da distribuição de água em Piracicaba. Laércio relatou ter contabilizado ao menos 32 bags no interior da antiga fábrica ao lado da ETA Luiz de Queiroz. Elas estão espalhadas pelo local e, principalmente, ao longo de um corredor de 250 metros murado com chapas metálicas. Ele também mostrou dois tanques da estação, ambos com capacidade de 2,5 milhões de litros, abarrotados de lodo – um deles com vegetação nascendo na superfície. Também há vazamento de um grande cano, identificado por adutora, que Laércio chamou por lava-jato.

“(...) isso é barro puro. E é de se pensar como se chegou nessa situação. Nós estamos aí com 5 milhões de litros que poderia ser [de uso] diário e está faltando [água] em mais de 11 bairros da cidade”, disse o vereador sobre a ETA. “Como está vazando água assim e ninguém arruma essa adutora? É que nem um lava-jato isso aí, 24 horas vazando. É uma bagunça”, comentou sobre a tubulação rompida.



Pedro Kawai (PSDB) entrou no debate e fez outras duas denúncias: a EEAT (Estação Elevatória de Água Tratada) Marechal Deodoro, com capacidade de reservagem de 8,5 milhões de litros, está fechada há dois anos. E a principal ETA, a Capim Fino, tem problema com o lodo semelhante ao da Luiz de Queiroz. “A demanda da cidade é 1.800 litros de água por segundo e o sistema está tratando um terço, 600 mil litros por segundo. Vai faltar [água]. Por quê? Incompetência. Não fizeram o que tinha que fazer durante quatro anos”, criticou o vereador tucano.

Rai de Almeida (PT) também comentou o assunto e destacou ter falado com o presidente do Semae, Raul de Morais, recentemente em função das inúmeras reclamações de falta d’água. “A resposta é de que os problemas é a diminuição da produção de água da ETA Luiz de Queiroz, mas que logo será reestabelecido e o abastecimento será melhorado. Esta justificativa, e não-justificativa, é a mesma coisa porque simplesmente diz que é um problema da ETA Luiz de Queiroz, mas não há nenhuma medida para agilizar a solução do problema. A questão do lodo acumulado é um problema sério.”

Silvia Morales emendou na sequência de Rai. “Estivemos, vereadores, com o Semae. Ia fazer projeto, limpar o lodo, e até agora, nada.” Cássio ‘Fala Pira’ (PL) enumerou os motivos alegados para falta d’água: transformador queimado por chuvas; porque não chove; e água com lodo. Ele também contribuiu com outra denúncia. “Pessoas que trabalham lá dentro [no Capim Fino] apontam falta de investimentos em mão de obra barata. [Estão] trabalhando com baixo número de funcionários no Semae. A população quer saber: estou pagando e não tenho água na minha torneira.”

O presidente da Câmara, Wagnão de Oliveira (PSD), acusou ser a origem do problema do abstecimento a falta de trabalho da prefeitura em anos anteriores e lembrou da CPI do Semae – engavetada pelo Ministério Público. “Perder 51% da água tratada é um crime”, finalizou o vereador Gustavo Pompeo (AVA). Segundo informe no site do Semae e lido por Thiago Ribeiro (PRD), a dificuldade para o tratamento tem relação com a turbidez da água bruta, com muita sujeira devido às chuvas fortes.

O QUE DIZ A CETESB?

A Cetesb esclareceu que a disposição das bolsas de lodo na Boyes foi informada ao órgão estadual e integra uma ação emergencial, ainda sem licenciamento ambiental. Leia a nota na íntegra enviada à redação.

“O Semae está instalando bags para desaguamento de lodo - geobags - que são sacos filtrantes gigantes, na área da antiga fábrica Boyes, para receber o lodo gerado na ETA Luiz de Queiróz, com a finalidade de secagem desse lodo até destiná-lo em aterro licenciado. O lodo ficará armazenado dentro dos sacos, sem contato com o meio ambiente, o líquido filtrado é retornado à ETA, e o lodo, após seco, poderá ser destinado adequadamente. A instalação é emergencial e faz parte de uma discussão em curso junto ao MP/Gaema. A Cetesb participa das discussões e aguarda o protocolo dos pedidos de licença ambiental para tais atividades, para analisar e se manifestar formalmente. O Semae protocolou ofício em caráter emergencial e informou, em audiência no MP, que o evento tem caráter temporário e irá proceder com o pedido de licenciamento. A Cetesb informou o Semae sobre tais obrigações e considera o caráter emergencial do evento, visto que, parte da cidade está com desabastecimento de água potável e a autarquia necessita de locais para estocar o lodo, para que possa normalizar o abastecimento público. Essa medida, de armazenamento do lodo, visa evitar o lançamento desse material direto no Rio Piracicaba, que é procedimento vedado pelo MP e Cetesb. O Semae informou que teve a anuência do proprietário da área para a instalação dos geobags.”


Bolsas gigantes estão espalhadas na fábrica Boyes
(foto/crédito: reprodução/Câmara de Vereadores)

O QUE DIZ A PREFEITURA?

Conforme release publicado pela prefeitura, o Semae segue com as obras de adequação no sistema de tratamento de lodo na ETA (Estação de Tratamento de Água) Luiz de Queiroz, responsável por 25% da água distribuída em Piracicaba. Conforme recomendações de órgãos ambientais, a autarquia teve de cessar completamente, em julho deste ano, os lançamentos do lodo provenientes do tratamento, bem como da água de lavagem dos filtros. Em razão disso, a produção de água na ETA caiu para 430 litros por segundo (l/s) – o ideal é produzir entre 780 e 800 l/s – o que afeta o abastecimento nas regiões mais distantes que recebem água da Luiz de Queiroz.

De acordo com o Semae, a situação foi agravada com as chuvas do último mês, que aumentam a presença de materiais sólidos e alteram a qualidade na água bruta captada dos rios, que fica turva. Essa água, além de originar uma quantidade maior de lodo, também demanda um tempo maior e mais produtos químicos para o seu tratamento mantendo a qualidade.

Para amenizar os impactos, o Semae tem abastecido os reservatórios com caminhões-pipa. A autarquia também pede a compreensão dos moradores neste período e recomenda a economia de água para aqueles que possuem reservação para manter o abastecimento interno até a normalização da rede. O Semae realizou licitação para a contratação do projeto executivo para a implantação de uma Estação de Tratamento de Lodo na ETA Luiz de Queiroz, visando solucionar definitivamente a destinação do resíduo. A licitação foi feita no primeiro semestre.

Com a interrupção do lançamento do lodo, em julho, o Semae, imediatamente, adotou medidas emergenciais para a solução do problema, com tratamento e destinação correta do material que, após análise, constatou-se não ser tóxico, visando o cumprimento das normas ambientais. A principal delas e mais desafiante foi a criação de uma estação de tratamento de lodo provisória, com o uso de geoformas, também chamadas de geobags ou geotubos, ao lado da ETA Luiz de Queiroz, na rua Benedicto Lucio Maciel, que fica na região central de Piracicaba, em área de preservação do patrimônio, em espaço restrito – a prefeitura só se ‘esqueceu’ de mencionar ser o local a fábrica Boyes.

A instalação das geoformas, que farão a desidratação do lodo, para sua futura destinação em aterro, está em andamento. Após sua conclusão, será possível retomar a operação contínua de tratamento de água na ETA Luiz de Queiroz em sua capacidade total. Para reduzir os impactos à população, neste momento, o Semae protocolou na Cetesb e no Ministério Público requerimento solicitando a possibilidade de descarte monitorado do lodo e aguarda resposta.

A redação entrou em contato com a prefeitura, mas até o fechamento desta edição nenhuma esclarecimento foi encaminhado.

BOYES

A área do antigo conjunto fabril com projeto para se tornar um residencial de apartamentos de luxo, o Boulevard Boyes, está factualmente no epicentro do desabastecimento público. O uso de forma emergencial em sem nenhum protocolo de licenciamento ambiental junto à Cetesb, conforme informou o próprio órgão estadual, coloca em xeque tanto a capacidade do sistema municipal de distribuição de água bem como o próprio projeto imobiliário.

E os dois fatos são conexos: se a área da fábrica tombada estivesse em funcionamento ou em obras, como o Semae resolveria o problema de alocação das gigantescas bolsas de lodo fruto da ETA Luiz de Queiroz? E, com o projeto viabilizado – o que não aconteceu até agora por impedimento no Condephaat – a circulação de pessoas e comércio demandarão mais serviço do saneamento público, evidentemente sem capacidade de atender a região com 17 mil consumidores – somente o setor residencial abre uma demanda de, ao menos, mais 1.800 novos moradores nos 440 apartamentos.

A redação entrou em contato com a assessoria de imprensa do Boulevard, mas até o fechamento desta edição nenhuma reposta foi encaminhada.

Em tempo: fica aqui um editorial breve do O Diário sobre a Boyes figurar no epicentro do abastecimento de água da cidade – e ser fundamental na solução de um celeiro de bolsas para evaporar água e secar o lodo. Décadas atrás (e nem tantas), a captação no Rio Piracicaba não passava de 10% e hoje, conforme dados do governo municipal acima, tem peso de 25% a 30%. Seria a causa a demanda populacional maior ou a redução de águas nos rios, ou uma soma deles? Fato é que a Boyes muda de papel social quanto à função constitucional da propriedade – e seus proprietários têm milhões em dívidas no IPTU – para, num futuro próximo e responsável, se tornar um polo de tratamento de água junto à academia, referenciando aqui a Fumep e, na USP local, incluindo Esalq e Cena. É gritante a necessidade da expansão do tratamento de água, e expansivo ao estudo da área com cabeças locais e grande potencial de pensamento e soluções. Crises climáticas com falta d'água e chuvas torrenciais ganham potenciais a cada ano e o terreno do Jorginho Aversa Jr., um patrimônio tombado em âmbito municipal, não pode elevar a demanda por saneamento diante de um cenário totalmente adverso na questão da água versus aumento da ocupação urbana, como pretende o Boulevard e seu projeto mix de residenciais ao comercial.

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