Número de crianças especiais no ensino municipal explode em mais de 150% e déficit de profissionais da prefeitura é de 74%; secretária de Educação declara sua ação ilegal e teme improbidade administrativa


Juliana Vicentin, secretária de Educação, presta esclarecimentos na Câmara
(foto/crédito: Rubens Cardia)

A secretária de Educação, Juliana Vicentin, espera resolver a falta de mão de obra na rede municipal por meio da contratação futura de professores substitutos. A crise no ensino, uma das duas do prefeito Helinho Zanatta (PSD), não se limita apenas ao professorado tradicional, mas quanto à explosão no atendimento a alunos com deficiência. Segundo a secretária, o município tem 1.582 crianças especiais nas escolas. Conforme o Portal da Transparência de Piracicaba, em fevereiro de 2025, a Pasta contava com 403 auxiliares de ação educativa – responsáveis por cuidar das necessidades pontuais de cada um. Distribuindo a demanda pelo número de profissionais, cada auxiliar teria quase quatro alunos especiais sob sua tutela – quando o ideal é um para cada, o que resulta em um déficit no quadro de recursos humanos de 74,52%.

O tema sobre os atendimentos de professores e demais profissionais dedicados aos alunos diagnosticados com TEA (Transtorno do Espectro Autista) foi debatido em audiência pública nesta terça, dia 11, na Câmara de Vereadores. Adriano Turini, presidente da Associação Entender para Incluir - Projeto Samuel, deu uma dimensão sobre a importância da escola para pais atípicos na estatística de, para um grupo de dez mães, seis são as únicas responsáveis pelo filho com TEA.

Sobre a falta de profissionais, a secretária de Educação informou manter processos admissionais de forma mensal e afirmou esperar suprir déficit com professores substitutos até zerar concursos já realizados e com prazos finais entre maio e 2026 – portanto, haverá alguma equalização somente a partir do próximo ano.

Além de não haver regra e nem legislação para obrigar a prefeitura a disponibilizar um auxiliar para cada criança especial, a valorização desta subcategoria é outro entrave na administração pública – conforme o Portal da Transparência, o salário bruto registrado em fevereiro variou entre R$ 1.964,31 a R$ 3.671,75.

“A agente chama [os auxiliares do concurso] e eles não vêm porque o salário é baixo. E não fui eu quem determinou este salário”, enfatizou a secretária, destacando ser menor o valor frente ao oferecido para contratados com exigência de nível fundamental, sendo os auxiliares com nível de estudos do ensino médio. “Não são valorizados e enquanto tem concurso vigente, não posso abrir um novo. O auxiliar fixo em cada sala é outro ponto que tem que ser viabilizado talvez em outro concurso”, disse Juliana Vicentin, destacando haver déficit no fundamental e não no infantil, momento em que foi contestada pelo público da galeria presente no plenário da Câmara.

Os auxiliares – também categorizados como profissionais de apoio – atuam diretamente no ambiente escolar, auxiliando o aluno em suas atividades cotidianas, tanto dentro quanto fora da sala de aula. Seu papel é mais voltado para o suporte prático, incluindo tarefas como higiene, alimentação e mobilidade, além de promover a inclusão social e facilitar a interação com colegas. Ele trabalha em parceria com o professor da turma e com outros profissionais da escola para criar um ambiente mais acolhedor e acessível.

Números explodem

Em Piracicaba é o Numape (Núcleo Municipal de Apoio Pedagógico de Educação Especial) quem assiste os alunos deficientes da rede. Conforme números apresentados na audiência da Câmara, a demanda local cresceu 157,23% entre 2020 e 2025, escalando de 615 para 1.582 estudantes com deficiências variadas – a maioria, 1.085 são do espectro autista. Dependendo do grau de comprometimento e da equipe escolar, há situações como os responsáveis terem de retornar à escola para retirar o aluno a fim de solucionar crises – e, por consequência, perder o dia de trabalho – a professora ter de levar o aluno no banheiro junto dos demais estudantes para não deixar a classe desacompanhada – e por isso a necessidade de auxiliares. Tais relatos acontecem em Piracicaba segundo o cenário exposto pelo Projeto Samuel e mãe de aluna de escola municipal infantil.

Por definição, o TEA é uma condição neurológica caracterizada pelas dificuldades na interação social e padrões comportamentais repetitivos. O aumento de casos de autismo tem relação com a melhora no diagnóstico, maior conscientização e legislação (Lei Berenice Piana). Entre os fatores ambientais, contribuem para o transtorno a exposição da mãe a agrotóxicos, idade avançada do pai, poluição, fertilização in vitro e uso de medicações.

A Sociedade Brasileira de Pediatria aponta também a relação do Transtorno do Espectro Autista e a internet. "O uso excessivo das telas tem sido associado ao TEA e a outros transtornos do desenvolvimento. As telas interferem nas interações entre pais e filhos e podem oferecer pouca oportunidade de aprendizagem para bebês e crianças pequenas em comparação com as interações sociais da vida real."

Laudo + canal de comunicação

O Projeto Samuel – instituição local voltado a terapias e apoio a crianças e famílias autista ou neurodivergente – destacou, durante a audiência pública, a necessidade de apresentação de laudo médico junto às escolas para obter acompanhamento individual dentro da rede municipal. O fato é que não há neuropediatra na rede pública de saúde em Piracicaba e, portanto, há uma lacuna para obtenção do documento – foi destacada a falta de convergência entre as secretarias de Educação e Saúde.

Entretanto, a secretária de Educação, Juliana Vicentin, garantiu não haver exigência da apresentação do laudo conforme nota técnica do MEC/Secadi. O caminho aos responsáveis pelos alunos, dentro dos procedimentos da Pasta, é o de procurar o diretor da escola, que encaminha demanda ao Numape a fim de garantir o atendimento especial. No caso de o diretor não conseguir organizar a escola quanto a recursos humanos, a secretária recomenda entrar em contato com o supervisor.

A audiência também fixou a abertura de um canal de comunicação aos professores a fim de compartilhar, de forma sigilosa, opiniões, denúncias e sugestões, sem medo de retaliação profissional ou política. Juliana Vicentin sugeriu ampliar o leque de possibilidades de contatos com a secretaria por meio do Naps (Núcleo de Apoio Psicossocial).

Secretária encastelada

Aparentemente detida aos processos burocráticos e gabinete, a secretária de Educação, Juliana Vicentin, utilizou a maior parte das duas horas e meia da audiência para mostrar números e funcionamento da sua Pasta. Após a explanação, a sensação que ficou foi a de ‘mil maravilhas’, que logo mais caiu por terra.

Michelly Basso, fonoaudióloga do Projeto Samuel, sugeriu a leitura de um manual do Ministério Público para esclarecer objetivos e questões de legislações e atribuições de cada tipo de professor – material desconhecido pela secretária, mas que se comprometeu a estudar.

Quanto aos relatos de superlotação nas salas de aula, Juliana disse desconhecer o assunto – o módulo permite o máximo de 17 alunos. “Ninguém pediu para uma sala ficar com 50 crianças [se referindo à Secretaria de Educação]. Gostaria que chegasse a mim o nome da escola, da sala”, defendeu.

Sobre as horas extras, entre 2023 e 2024, a prefeitura pagou R$ 30 milhões, informou o procurador do município, Marcelo Magro Maroun. A situação que permitia as dobras a fim de cobrir faltas e ausência de mão de obra, levou o município ao Tribunal de Contas do Estado de SP, que proibiu a prática e multou o Executivo municipal. Ainda conforme Maroun, há problemas com o Ministério Público do Trabalho, que emitiu auto de infração para a administração pública. “Não foi referente à Secretaria de Educação, mas logo será, foi da Saúde, com aplicação de multa ao município”, projetou o procurador sem informar valores.

Mesmo assim, a secretária Juliana diz ter aberto uma brecha de forma ilegal e ter disponibilizado um banco de horas para as escolas conforme o número de funcionários a fim de retomar as dobras. Ela também informou ter flexibilizado as JA (justificativa de ausência), JE (justificativa eleitoral), falta injustificada, licença para doação de sangue e hora extra, endurecidas no início de 2025, e fez a ressalva de temer ser julgada por improbidade administrativa. Por fim, ela defendeu melhor remuneração à categoria e Plano de Carreira e a mudança de endereço do Numape para melhor logística de trabalho.

Encaminhamentos da audiência

Excepcionalmente, a audiência sobre o ensino e suporte a alunos com deficiência abriu o Salão Nobre, no andar superior da Câmara, para receber a grande demanda de interessados. Ao fim da reunião, ficou a sensação de frustração com pouca gente conseguindo falar e questionar o Poder Público porque as duas horas e meia regimentais foram quase que totalmente utilizadas pelo Executivo e Legislativo. Cerca de dez perguntas foram lidas e as respostas vieram de forma atabalhoada. Presidida pelo vereador-pastor Rerlison Rezende (PSDB), o próprio definiu, ao fim do evento, que a luta apenas começou.

Os encaminhamentos foram bem fracos no sentido de resolver o atendimento especial na educação municipal e não teve nada sobre efetivamente como disponibilizar neuropediatra às crianças deficientes. O pastor Relinho, que é o atual presidente da Câmara, se comprometeu falar com o Sindicato dos Trabalhadores Municipais para estudar uma legislação a fim de reduzir a jornada de trabalho do servidor diagnosticado com autismo – o que nem era a pauta da audiência. O foco aqui deveria ser o aumento de salário dos auxiliares de ação educativa.

Também foi decidida a ampliação de grupo para discutir autismo e rede municipal; houve a sugestão para criar um Fórum Permanente de Discussão dentro da Câmara; abertura de ouvidoria geral da Educação; necessidade de comunicação com a Secretaria de Saúde; e padronização do número máximo de criança por sala de aula, incluindo as especiais.

________

CURTE O DIÁRIO?  

Contribua com o jornal:

PIX (chave e-mail)

odiariopiracicabano@gmail.com

Na plataforma Apoie-se

(boleto e cartão de crédito):

https://apoia.se/odiariopiracicabano

***

Apoie com R$ 10 ao mês (valor sugerido).

Precisamos de 100 amigos com essa doação mensal.

Jornalismo sem rabo preso não tem publicidade!

Postar um comentário

Mantenha o respeito e se atenha ao debate de ideias.

Postagem Anterior Próxima Postagem

Formulário de contato